Cinco anos depois de perder o filho Miguel, enquanto o menino estava sob os cuidados da ex-patroa, Mirtes Renata Santana, de 38 anos, apresentou o trabalho de conclusão de curso (TCC) da graduação em direito, com o tema: “Trabalho Escravo Contemporâneo e Direitos Fundamentais: uma análise da proteção constitucional com foco nas trabalhadoras domésticas.” A apresentação ocorreu na última terça-feira (10/3), e a pernambucana foi aprovada com nota 10 pela banca avaliadora.

A ex-empregada doméstica afirmou que a sua formação é “instrumento de luta e justiça". O garoto de 5 anos morreu após cair do 9º ano de um prédio luxuoso de Recife (PE). No dia 2 de junho de 2020, em plena pandemia, a creche de Miguel estava fechada. Por isso, ele teve que ir com a mãe para o trabalho dela, no apartamento de Sari Corte Real, a ex-primeira-dama da cidade de Tamandaré (PE). 

A patroa ficou incomodada com os pedidos do menino para ficar com a mãe, que tinha recebido ordem para ear com o cachorro da casa. Segundo as imagens do circuito interno do prédio, o garoto foi deixado sozinho por Sari dentro do elevador. Ele subiu para a área da cobertura, e foi de lá que ele caiu. Miguel chegou a ser atendido, mas não resistiu aos ferimentos.

Sari foi condenada inicialmente a oito anos e seis meses de prisão. Em novembro de 2023, a pena foi reduzida para sete anos. Como cabem recursos à decisão, a ex-patroa continua em liberdade. No próximo dia 16, o Ministério Público de Pernambuco deverá se pronunciar sobre as responsabilidades penais da ex-patroa em relação à morte de Miguel. O posicionamento do MP é considerado importante pela acusação e defesa antes do veredito dos desembargadores do Tribunal de Justiça daquele Estado.

‘Denúncia, resistência e memória’

No Instagram, Mirtes fez uma publicação afirmando que concluiu o TCC “não apenas como um requisito acadêmico, mas como um ato de denúncia, de resistência e de memória.” “Essa escrita não foi fácil. Finalizei esse trabalho às vésperas de completar cinco anos sem meu filho, com as emoções à flor da pele, cada linha escrita carregava uma lágrima de dor, de raiva, de revolta e do cansaço de tantas noites mal dormidas.” 

A ex-doméstica diz ainda que cursar direito nunca foi um sonho, mas uma necessidade. “Uma forma de buscar o conhecimento jurídico para me fortalecer e enfrentar de frente os inúmeros absurdos contra meu filho, contra mim, contra outras pessoas que, como nós, foram silenciadas ou ignoradas por esse sistema racista.”

Mirtes ainda acrescenta: “Trago nesse trabalho casos reais, dolorosos e revoltantes, como o de Madalena Gordiano - que viveu 40 anos em situação análoga à escravidão -, de Sônia Maria -  escravizada por por 37 anos por um desembargador de Santa Catarina- , o meu próprio caso, diante de tantos outros exemplos de mulheres pretas, trabalhadoras domésticas, submetidas ao trabalho análogo à escravidão, mulheres que têm seus direitos violados.” 

Por fim, a pernambucana diz: “Que esse trabalho seja mais que um título: que ele seja um instrumento de luta e justiça. Essa nota 10, não é só minha, é de todos e todas que de forma direta e indireta vem me fortalecendo nessa jornada. Essa foi apenas mais uma etapa concluída. Em breve tem mais.”