Ernesto Hernández Norzagaray/Latinoamérica21 

“Como podemos ajudar a combater o crime organizado em seu país? Se quiser, podemos enviar tropas do exército estadunidense para o México”: palavras mais, palavras menos, isso que disse o presidente Donald Trump à presidenta Claudia Sheinbaum, e a resposta imediata foi de rejeição. “Podemos cooperar e nos coordenar para combatê-lo — respondeu Sheinbaum —, mas sem que isso signifique uma intervenção militar em nosso território”.

Nesse momento, a conversa telefônica entre os dois líderes foi encerrada. Dias depois, em um ato público, Sheinbaum comentou sobre isso e terminou dizendo aos ouvintes que o México “não é a piñata de ninguém”, tendo várias interpretações e nem todas favoráveis, porque todo mundo bate em uma piñata até que a destruir completamente. E talvez não seja esse o caso.

E tudo indica que a relação entre os dois líderes se encontra em um mal momento. Com uma característica substantiva: Trump está em vantagem. Ele já tem a medida de Sheinbaum, com quem usa a dialética da flor e do espinho, ou seja: por um lado, diz que a presidenta mexicana é encantadora e inteligente, mas, uma vez concluído esse processo de encantamento, chega o espinho. A fere com tarifas, militarização, voos e navios espiões, exigências fronteiriças, extradições, apreensões de fentanil, diplomacia dura. E assim por diante, até terem outra conversa por telefone, sob a mesma lógica de pressão, sem trégua.

Essa estratégia até agora não prevê que os líderes tenham uma reunião cara a cara, como Trump fez com Mark Carney, o novo primeiro-ministro canadense, o que significa que a estratégia com seus vizinhos e parceiros é diferente. Trump vê os canadenses como aliados mais confiáveis, a ponto de brincar dizendo que gostaria que o Canadá fosse o 51º estado da União Americana e chegou a chamar Justin Trudeau de governador, e não primeiro-ministro, em um ato de descortesia política que não agradou aos canadenses. Hoje, as relações entre os líderes desses dois países se tornaram menos intensas na mídia, mas não com o México, onde a tensão aumenta a cada dia e a agenda é ajustada às provocações da relação bilateral.

Três decisões dos EUA

No momento em que escrevo este artigo, por exemplo, três decisões estadunidenses abalaram o Palácio Nacional. A primeira é a provável imposição de um imposto de 5% sobre as remessas que os residentes estrangeiros nos EUA — legais e não legais — enviam periodicamente para seus países, que estão aumentando no México a cada ano. De fato, estima-se que cerca de 64 bilhões de dólares tenham entrado no país no ano ado; depois das exportações de petróleo, essa é a segunda maior fonte de divisas.

A segunda decisão é o acordo do governo estadunidense com Ovidio Guzmán, o filho mais novo de Joaquín El Chapo Guzmán, que resultou na proteção de 17 membros dessa família mediante seu translado a território estadunidense, sem qualquer comunicação com o México de que havia extraditado unilateralmente o capo sinaloense.

A terceira decisão, mais doméstica, mais de médio prazo, é indicativa que provavelmente algo maior está se formando com a chamada narcopolítica, que é um elo quente no conceito de narcoterrorismo e já está nas leis estadunidenses: o governo estadunidense retirou o visto de Marina del Pilar Ávila, a governadora do estado fronteiriço de Baja Califórnia, sem detalhar o que motivou essa ação unilateral pouco diplomática e com forte carga simbólica.

Poder e o crime

Não se deve esquecer que, há pouco mais de um mês, Kristi Noem, secretária de Segurança Interna, esteve no Palácio Nacional e deixou na mesa da presidente Sheinbaum, segundo relatos, uma lista de narcopolíticos que os Estados Unidos que sejam levados à justiça estadunidense por sua cumplicidade com os cartéis de drogas. Isso incluiria membros do gabinete e algumas autoridades legislativas importantes, inclusive deste gabinete federal e do anterior.

E isso, se for o caso, é um problema sério para a presidente Sheinbaum, porque significa proceder contra membros de seu partido e poderia significar uma convulsão política de grandes dimensões, sobretudo se envolver quem foi identificado como operador do ex-presidente López Obrador tanto no gabinete quanto no partido e no Congresso federal. É aí que a istração Trump aperta e onde a margem de manobra de Sheinbaum diminui.

Claro, há quem vê em tudo isso uma oportunidade para que o governo deixe de ter tutelas políticas que o impede de exercer plenamente o poder, mas fazer isso poderia ter um custo alto e talvez maior do que a pressão do governo Trump, porque isso abalaria o projeto da Quarta Transformação (4T), seja lá o que isso signifique.

Risco de ações unilaterais

Portanto, Sheinbaum escolherá provavelmente o mal menor, que é confrontar Trump toda vez que tome uma decisão que afete o México e, enquanto isso, enviar mensagens aos políticos de seu partido. Mas sua margem de manobra é limitada em um país polarizado desde as eleições da primavera de 2024. Ou seja, essa disputa será longa e determinada pela dosagem das decisões dos EUA que podem acabar minando sua liderança.

Não se pode descartar que, em determinado momento, o governo dos Estados Unidos atue unilateralmente e faça o que já fez com Ismael Zambada, o lendário narcotraficante sinaloense, que nunca pisou em uma prisão e agora está detido em uma prisão de alta segurança, possivelmente aguardando uma ou mais sentenças de prisão perpétua. Portanto, esse jogo de poder de soma zero, como costumava dizer o grande Yogi Berra, o apanhador do New York Yankees, só acaba quando termina.

(*) Ernesto Hernández Norzagaray é professor da Universidade Autônoma de Sinaloa. Doutor em Ciência Política e Sociologia pela Universidade Complutense de Madri. Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do México.

Tradução automática revisada por Isabel Lima