Uma das conquistas mais emblemáticas da história do futebol mineiro, o decacampeonato do América completa, em junho de 2025, 100 anos. A série de dez títulos seguidos, nunca igualada em Minas Gerais, só tem paralelo, no Brasil, no deca estadual do ABC, de Natal, entre 1932 e 1941. O último título do Coelho nessa trajetória, porém, é cercado de polêmicas. O time entrou em campo uma vez só, o campeonato teve apenas três jogos em 15 dias e a conquista do América só foi oficializada, de fato, pela Federação Mineira de Futebol (FMF) praticamente cem anos depois.
Originalmente, o Campeonato Mineiro de 1925, oficialmente chamado de Campeonato da Cidade de Belo Horizonte, organizado pela Liga Mineira de Desportos Terrestres (LMTD), antiga nomenclatura da FMF, reuniria sete clubes, que jogariam entre si, em turno e returno, em pontos corridos. Todas as equipes eram da capital. Além do América, estavam inscritos o Atlético, o então Palestra Itália, antigo nome do Cruzeiro, o Sport Calafate, o Luzitano, o Palmeiras e o Sete de Setembro. Nos três jogos realizados, apenas cinco clubes entraram em campo.
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A abertura do campeonato foi no dia 31 de maio, com a vitória do Sete de Setembro por 5 a 2 diante do Sport Calafate, no Estádio do Barro Preto, onde hoje é o clube social do Cruzeiro. O primeiro asterisco do campeonato aconteceria no mesmo dia, quando o Palestra receberia o Luzitano, mas venceu por W.O, pelo não comparecimento do rival.
A segunda rodada teria os jogos entre América e Sport Calafate e Palestra Itália e Sete de Setembro, no dia 7 de junho. O Coelho e o Palestra, porém, pediram o adiamento dos jogos para realizar amistosos no então estádio do América na Avenida Paraopeba, atual Augusto de Lima, onde é o Mercado Central. E, em uma rodada dupla, o América perdeu para o Syrio-SP e o Palestra venceu o Syrio Horizontino, da capital mineira. O campeonato seguia com apenas uma partida jogada em campo.
No dia 14 de junho, enfim, uma rodada foi disputada. O América fez 4 a 1 no Atlético e o Sete de Setembro venceu o Luzitano por 1 a 0. Foram os dois últimos jogos daquele campeonato, já que as partidas de 21 de junho (Atlético x Sport Calafate e Palmeiras x Sete de Setembro) foram adiados por causa da convocação da seleção mineira para o Campeonato Brasileiro de Seleções. Essa interrupção parou de vez o torneio, que nunca mais foi retomado.
Polêmica secular
O campeonato, portanto, não teve fim. E várias versões foram ganhando corpo ao longo dos anos. Segundo os pesquisadores Claudio Frederico Discacciati e Wagner Augusto Álvares de Freitas, autores do livro “Almanaque do Campeonato Mineiro 1915 - 1957”, uma referência sobre o tema, a LMTD cancelou o segundo turno, mas os clubes nem se interessaram em terminar ao menos o primeiro turno, focando em jogar amistosos. Com isso, a LMTD convocou uma assembleia para definir o que aconteceria com o torneio, em dezembro de 1925. Os clubes decidiram não disputar o campeonato, que ou a ser considerado inexistente. “O campeonato de 1925, do qual poucos jogos se realizaram, foi considerado inexistente para todos os efeitos em reunião conjuncta da directoria da Liga, com os presidentes dos clubes interessados”, diz a “acta” da reunião de dezembro, respeitando a grafia da época.
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O América tem uma versão diferente. De acordo com a “Enciclopédia do América”, de Carlos Paiva, o Coelho cedeu 12 jogadores para a seleção mineira, formando a base da equipe. E, cientes da força do América, “os outros times disputantes oficiaram à Liga reconhecendo o América como legítimo campeão dada a sua inquestionável superioridade”, diz a publicação, fato repetido também em “América, o Decacampeão”, de Raymundo Seixas.
Reconhecimento só em 2012
Fundado em 1912, o América comemorou seu centenário no dia 30 de abril de 2012 e recebeu um presentão: a homologação, por parte da FMF, então presidida por Paulo Schettino , do título de 1925, o que, na prática, oficializou a conquista do Campeonato Mineiro de 1925 pelo América e, consequentemente, o decacampeonato do Coelho, que, em campo, só entrou uma vez na conquista histórica. O curioso é que, se oficializou o campeão, não existe um vice-campeão para essa conquista do América. Outra curiosidade é que, se levarmos em conta apenas os pontos conquistados em campo, o Sete de Setembro, o único que jogou dois jogos, fechou o torneio com quatro, dois a mais que o Coelho.
Paulo Schettino foi o presidente da FMF que oficializou o título do América. Foto: Rodrigo Clemente/ O TEMPO - 18.2.2009
As outras conquistas do deca
Se a décima taça foi cercada de polêmicas, sobre as outras nove não tem o que discutir. A trajetória entre 1916 e 1924 foi cercada por curiosidades, como a participação de clubes da capital que tiveram vida curta, casos de Cristóvão Colombo, Higiênicos, Yale, Guarany e Progresso, a participação do Alves Nogueira, de Sabará, e as estreias do Villa Nova, em 1918, e do Cruzeiro, ainda como Palestra Itália, em 1921, ano da sua fundação.
Disputados ainda na época do amadorismo no futebol brasileiro - o profissionalismo só seria implantado no país em 1933 -, os campeonatos tiveram situações inusitadas, como abandono de campo e desistências de campeonatos, não comparecimentos, times entrando em campo com menos jogadores, a troca momentânea de nome do Luzitano para Corinthians, irritando a comunidade portuguesa, e torneios esvaziados, como o de 1924, com apenas cinco times - o Atlético, entre outros, se licenciou e jogou apenas alguns amistosos naquele ano. Vários jogos contaram também com preliminares com equipes de aspirantes e o Torneio Início, com diversos jogos curtos ao longo de um dia, abrindo a competição. De forma geral, os regulamentos eram turno e returno, com pontos corridos.
Nesse período, o América teve três vice-campeões diferentes. O Atlético ficou em segundo lugar em 1916, 1917, 1918, 1921 e 1923, enquanto o Sete de Setembro foi vice em 1919 e 1920 e o Palestra Itália em 1922 e em 1924. E, dessas conquistas, cinco foram invictas (1917, 1918, 1919, 1920 e 1923).
Sequências de títulos
O decacampeonato do América segue como a maior sequência de conquistas de títulos estaduais em Minas Gerais e, no Brasil, só igualada pelo ABC, com os dez títulos seguidos do Campeonato Potiguar entre 1932 e 1941. Em Minas Gerais, quem chegou mais perto foi o Atlético, que foi duas vezes hexa. O Galo conquistou seis títulos seguidos entre 1978 e 1983 e tem uma sequência vigente, entre 2020 e 2025, podendo ampliar o recorde da era profissional em 2026.
A maior sequência do Cruzeiro é o pentacampeonato conquistado entre 1965 e 1969, os cinco primeiros estaduais disputados no Mineirão. O Atlético também tem um penta, entre 1952 e 1956. Cruzeiro (1972 a 1975) e Villa Nova (1932 a 1935) têm no currículo um tetra. O curioso é que o América, depois do deca, nunca conseguiu ter mais de um título em sequência. Depois da conquista de 1925, o Coelho ganhou seis títulos isolados (1948, 1957, 1971, 1993, 2001 e 2016).